segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A FORÇA DO VOTO RELIGIOSO

DIÁRIO DE NATAL TAMBÉM ABORDOU O TEMA 

Grupos cristãos, em especial os evangélicos, se organizam politicamente no RN e podem decidir eleições locais e nacionais


Poder do voto religioso cresce em um estado laico

Apesar de o Brasil ser um país laico, ou seja, não possuir orientação religiosa, as organizações cristãs se articulam cada vez mais para defender seus interesses no campo político-eleitoral. A Igreja Católica adota uma postura neutra em relação às eleições. Já as igrejas evangélicas têm ocupado espaços valiosos na política, lançando candidaturas e defendendo-as, inclusive, nos cultos religiosos. A grande questão é se os políticos da igreja usam a crença para conquistar os votos ou colocam seus mandatos a serviço da religião. Independentemente das intenções do dono do mandato, o voto religioso ganhou força no decorrer das eleições e é disputado por todos os partidos políticos, tornando-se protagonista da disputa presidencial deste ano.
Voto baseado nos dogmas da fé ganha força nestas eleições e é disputado por todos os partidos Foto: Ana Amaral/DN/D.A Press
Em nível nacional, os eleitores evangélicos foram apontados como os principais responsáveis pelo crescimento da candidatura da senadora Marina Silva (PV), também evangélica, à Presidência da República. A candidata chegou a quase 20%dos votos válidos. No Rio Grande do Norte, as igrejas evangélicas fizeram de Antônio Jácome (PMN) o deputado estadual mais votado destas eleições, com 54.746 votos. O mesmo eleitorado deu ao vereador natalense Adenúbio Melo (PSB) 72.654 votos na disputa pela Câmara Federal. Ele ficou na primeira suplência da coligação "Vitória do Povo" (PSB/PT/PTB/PPS).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 20% da população brasileira seja evangélica. No Rio Grande do Norte, o mesmo órgão calculou, em 2009, que mais de 430 mil eleitores potiguares seriam fieis de igrejas protestantes. O número representa quase 25% do eleitorado do Estado. Apesar de as igrejas terem pensamentos diferentes sobre determinados temas, elas se organizaram politicamente para eleger candidatos de diferentes congregações.

De acordo com o cientista político João Emanuel Evangelista, a formação dos grupos evangélicos não ocorre de forma unânime. Ele afirmou, em entrevista ao Diário de Natal, que nas próprias igrejas existem grupos que discordam em determinados temas. "Há um número muito grande de igrejas evangélicas com distintas orientações, inclusive teológicas. É um erro considerar todos os evangélicos como a expressão de um tipo de religiosidade conservadora e atrasada, como se ouve em alguns setores elitistas", declarou.


Segmento exerceu papel decisivo

"Os evangélicos tiraram da candidata Dilma Rousseff a vitória da eleição presidencial no primeiro turno e poderão tirá-la da cadeira de presidente da república", afirmou o vereador Adenúbio Melo. Segundo ele, o potencial político das igrejas protestantes chegou ao ápice de definir quem será o próximo presidente da República. Sem manifestar voto, o parlamentar disse que há uma tendência do eleitorado evangélico em prol da candidatura de José Serra.

Segundo Adenúbio, o crescimento da força eleitoral das congregações religiosas se deu devido à organização vista como necessária para que a parcela da população que segue as doutrinas cristãs seja ouvida nas decisões da sociedade. "Deixamos de ser povinho. Mudamos o resultado da eleição para presidência no primeiro turno e seremos fundamentais na eleição do segundo", comemorou.

Apesar de seu partido, o PSB, apoiar a candidatura petista à presidência, o vereador se mostrou mais afinado com o projeto tucano. "Dilma errou muito ao defender posições que ferem nossa doutrina. No próprio programa do PT existe a defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nós somos contra. Também existe a questão do aborto. Somos a favor da vida", declarou.

O deputado estadual Antônio Jácome creditou o fortalecimento político das igrejas à organização dos protestantes. Segundo ele, o segmento a cada dia é mais organizado e expressivo em todos os sentidos. Em relação ao pleito nacional, o deputado declarou apoio a José Serra. "A nossa preocupação é com as posições de Dilma e do próprio PT. Vou reunir as lideranças que estão comigo para somarmos na campanha de Serra no segundo turno", adiantou. 


No centro do segundo turno

Com o fortalecimento dos pensamentos religiosos na discussão política e a certeza de que houve sustentação da candidatura de Marina Silva pelo eleitorado evangélico, o segundo turno da eleição presidencial passou a focar no debate sobre temas polêmicos, que provocam debates na sociedade, como, por exemplo, a legalização do aborto. Na tentativa de conquistar os votos obtidos por Marina no primeiro turno, os presidenciáveis José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) vão em busca dos votos religiosos, vistos agora como fundamentais na decisão das eleições deste ano.

Tanto a igreja católica quanto as protestantes são contra o aborto e a união civil entre homossexuais. Como o segundo tema poderia causar prejuízos eleitorais, pelo fato de atingir diretamente grande parcela da população, o primeiro foi colocado como centro das discussões. José Serra acusou Dilma Rousseff de ter dito, em entrevista à Folha de São Paulo, que seria favorável ao aborto. Desde então, colocou, em seu programa eleitoral, um apelo à valorização da vida. Dilma, por sua vez, disse, depois das críticas, que é contra o aborto e acusou o adversário de fazer uma campanha sustentada por ataques pessoais.

Para o cientista político João Evangelista, a demonstração de uma força conservadora no final do primeiro turno favoreceu a invenção de vários boatos referentes aos temas de interesse religioso que circularam sobre os candidatos na internet. "As posições de Dilma e Serra são idênticas em relação ao aborto. É preocupante o clima de boataria e terrorismo criado na eleição presidencial, porque significa um retrocesso na construção de uma sociedade democrática. Condicionar o voto a dogmas religiosos é um retrocesso político e cultural, incompatível com a cultura de tolerância religiosa do Brasil", analisou.

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