quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

INTRODUÇÃO

Vamos tratar de um tema crucial para os sistemas de educação em todo o mundo: com quanto e como se financia a educação pública. Isso porque a educação, como as demais políticas públicas, tem em sua estrutura de financiamento um importante instrumento que limita ou amplia as possibilidades de formulação e implementação de ações e programas estatais.
Nessa estrutura, as características jurídico-institucionais e técnico-financeiras das fontes de recursos, que indicam as possibilidades de recolhimento e geração de recursos, determinam em grande medida a direção e força da política educacional.
Por esse motivo, entre outros, justifica-se o espaço aberto para uma discussão sobre o tema.
Para cumprir tal tarefa, este seminário é composto por uma série de temas que reúnem as várias dimensões e percepções sobre o financiamento da educação no Brasil. Apesar de cada tema possuir identidade própria, há uma seqüência articulada de maneira a evidenciar as formas e os problemas da estrutura de financiamento público da educação, bem como os dilemas associados à atuação do Estado brasileiro na provisão, produção e regulação da educação. Nesse sentido, a primeira parte que compõe o presente seminário tem a função de introduzir a questão e de estabelecer uma conexão direta entre os demais temas apresentados. Pretendemos estabelecer uma discussão a respeito das fontes de financiamento dos gastos na educação, assim como da importância de se fazer uma análise das características e aspectos históricos da esfera fiscal, fontes de financiamento tributário, contribuições sociais e das demais fontes relacionadas com o tema. Abordaremos os aspectos do financiamento apresentando as principais características da sua estrutura, bem como o esclarecimento das responsabilidades de cada esfera pública. São destacadas também as principais fontes de recursos, identificando o papel de cada fonte, seus aspectos históricos e principais marcos jurídico-institucionais.
A discussão a respeito do financiamento para a área de educação tem a ver com as condições materiais e com os recursos financeiros que viabilizam a formulação, implementação e avaliação das políticas. Visto pelo lado jurídico-institucional, o estudo do financiamento implica a análise da esfera fiscal, cobrindo as características e o desenrolar histórico das principais fontes de financiamento tributário, assim como as contribuições sociais e demais fontes que se destinam à área.
Com isso, busca-se um olhar integrado da amplitude do espaço fiscal e que se destina ao financiamento da área.
O tema do financiamento, em termos de alvo, abrange o financiamento realizado pelo setor público e a parte financiada pelo setor privado mediante os gastos realizados pelas famílias e indivíduos, associações, entidades privadas (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai – , Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac – , sindicatos, igrejas, clubes, etc.) e empresas privadas.
Neste último caso, salienta- se que existem sérios problemas associados à insuficiência e à consistência duvidosa dos dados, além, em geral, da pouca complexidade das informações, em grande parte devido à descentralização na realização dos gastos, bem como de uma série de definições nem sempre objetivas. O que é certo nesta questão é que, para o setor privado, as informações não se encontram atualmente disponíveis, o que torna um enigma falar em financiamento da área de educação no Brasil quando se pretende considerar todos os setores envolvidos.
É por isto que neste seminário tomaremos somente a parte realizada pelo poder público como referência. No setor público, a Constituição Federal (CF), de 1988, e a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, atribuíram à União, aos Estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios a responsabilidade pela administração do sistema educacional brasileiro, consagrando a existência de três sistemas de ensino público, tendo como fundamento o regime de colaboração entre essas instâncias federadas.
Cada instância do poder público tem, assim, um sistema de ensino para manter e expandir, acarretando gastos, bem como mecanismos e fontes de recursos para o seu financiamento.
Este seminário centra-se nas características e no desenvolvimento histórico dessa parte constituinte da política educacional e refere-se ao financiamento público à área, apresentando os principais aspectos da estrutura do financiamento, a começar pelo esclarecimento das responsabilidades de cada esfera pública no financiamento, as principais fontes de recursos, buscando identificar o papel de cada fonte, seus aspectos históricos e principais marcos jurídico-institucionais.
A CF de 1988 estabeleceu explicitamente que a educação é um direito social e, para tal, definiu os responsáveis – família e Estado – pelo seu provimento. Visando assegurar o cumprimento deste mandamento e, com isso, garantir o pleno gozo do direito ao cidadão, estabeleceu as fontes de financiamento que gerariam os recursos que o Estado disporia para bancar os seus gastos.
Já a LDB, promulgada em 1996, vinculou explicitamente a educação ao “mundo do trabalho” e à prática social, e também se preocupou em estabelecer fontes de financiamento para os gastos educacionais.
No que tange à ação pública pela educação, as normas legais atribuíram à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios a responsabilidade pela manutenção e expansão do ensino e consagraram uma estrutura de financiamento para tanto.

RECURSOS FINANCEIROS NA LDB: Avanços e limitações

TÍTULO VII
Dos Recursos financeiros

Art. 68. Serão recursos públicos destinados à educação os originários de:
I - receita de impostos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - receita de transferências constitucionais e outras transferências;
III - receita do salário-educação e de outras contribuições sociais;
IV - receita de incentivos fiscais;
V - outros recursos previstos em lei.

Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.
§ 1º. A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não será considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º. Serão consideradas excluídas das receitas de impostos mencionadas neste artigo as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária de impostos.
§ 3º. Para fixação inicial dos valores correspondentes aos mínimos estatuídos neste artigo, será considerada a receita estimada na lei do orçamento anual, ajustada, quando for o caso, por lei que autorizar a abertura de créditos adicionais, com base no eventual excesso de arrecadação.
§ 4º. As diferenças entre a receita e a despesa previstas e as efetivamente realizadas, que resultem no não atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apuradas e corrigidas a cada trimestre do exercício financeiro.
§ 5º. O repasse dos valores referidos neste artigo do caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ocorrerá imediatamente ao órgão responsável pela educação, observados os seguintes prazos:
I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês, até o vigésimo dia;
II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês, até o trigésimo dia;
III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês, até o décimo dia do mês subseqüente.
§ 6º. O atraso da liberação sujeitará os recursos a correção monetária e à responsabilização civil e criminal das autoridades competentes.
Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:
I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;
II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;
V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;
VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;
VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;
VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;
III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;
IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;
V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;
VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.
Art. 72. As receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino serão apuradas e publicadas nos balanços do Poder Público, assim como nos relatórios a que se refere o § 3º do art. 165 da Constituição Federal.
Art. 73. Os órgãos fiscalizadores examinarão, prioritariamente, na prestação de contas de recursos públicos, o cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Federal, no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na legislação concernente.
Art. 74. A União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mínimo de oportunidades educacionais para o ensino fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade.
Parágrafo único. O custo mínimo de que trata este artigo será calculado pela União ao final de cada ano, com validade para o ano subseqüente, considerando variações regionais no custo dos insumos e as diversas modalidades de ensino.
Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino.
§ 1º. A ação a que se refere este artigo obedecerá à fórmula de domínio público que inclua a capacidade de atendimento e a medida do esforço fiscal do respectivo Estado, do Distrito Federal ou do Município em favor da manutenção e do desenvolvimento do ensino.
§ 2º. A capacidade de atendimento de cada governo será definida pela razão entre os recursos de uso constitucionalmente obrigatório na manutenção e desenvolvimento do ensino e o custo anual do aluno, relativo ao padrão mínimo de qualidade.
§ 3º. Com base nos critérios estabelecidos nos §§ 1º e 2º, a União poderá fazer a transferência direta de recursos a cada estabelecimento de ensino, considerado o número de alunos que efetivamente freqüentam a escola.
§ 4º. A ação supletiva e redistributiva não poderá ser exercida em favor do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios se estes oferecerem vagas, na área de ensino de sua responsabilidade, conforme o inciso VI do art. 10 e o inciso V do art. 11 desta Lei, em número inferior à sua capacidade de atendimento.
Art. 76. A ação supletiva e redistributiva prevista no artigo anterior ficará condicionada ao efetivo cumprimento pelos Estados, Distrito Federal e Municípios do disposto nesta Lei, sem prejuízo de outras prescrições legais.
Art. 77. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que:
I - comprovem finalidade não-lucrativa e não distribuam resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto;
II - apliquem seus excedentes financeiros em educação;
III - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades;
IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos recebidos.
§ 1º. Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para a educação básica, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública de domicílio do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão da sua rede local.
§ 2º. As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público, inclusive mediante bolsas de estudo.

Os caminhos e descaminhos dos recursos financeiros em educação

Neste seminário analisamos a evolução recente das despesas educacionais públicas do Brasil por nível de governo e por programa orçamentário. Constatamos a baixa participação do Programa Educação Especial, sobretudo nos estados e municípios. Em seguida, analisamos, com base na teoria da escolha pública nos orçamentos, a vulnerabilidade da educação e, particularmente, da educação especial. É descrito o processo decisório de elaboração e execução dos orçamentos públicos no Brasil, focalizando os principais mecanismos que levam a educação a ser preterida e a perder recursos. Concluímos com sugestões, frisando a necessidade de as burocracias educacionais desenvolverem habilidades e conhecimentos na área das finanças públicas.

Muito ou pouco dinheiro?

No amplo arco de opiniões sobre o dinheiro para a educação existem dois extremos, felizmente compartilhados por poucos. De um lado, há os que reduzem a solução de todos os problemas a injetar mais verbas. De outro, há os que dizem que a educação já tem dinheiro demais e só lhe falta aproveitá-lo melhor, cortando a sua ineficiência. Embora carecendo de razão no todo, os dois extremos não deixam de ter alguma razão: os recursos não são abundantes e o seu aproveitamento muitas vezes está abaixo da crítica.

O esforço financeiro em favor da educação, pelo menos por parte do governo federal, caiu de forma pronunciada a partir de 1990, notando-se, porém, certa recuperação recente. Os dados sobre os estados revelam que eles, em seu conjunto, contribuem com pouco mais ou pouco menos que o governo federal. Como este sustenta escolas técnicas e instituições de ensino superior, fica sugerida a difícil situação do ensino fundamental e médio e da educação especial.
A parcela dos municípios, cuja primeira missão constitucional é o ensino básico, é ainda menor que a dos outros níveis de governo. Somando-se a despesa na função Educação e Cultura executada pelas três esferas de governo, verificamos que a sua participação sobre o PIB no período em tela foi de 4,3% e 4,4%, respectivamente, em 1988 e 1989. Devemos observar que, em 1988, a América Latina aplicava 4,4% do seu PIB, enquanto os países industrializados investiam 5,7% em educação. Pouco, mas é certo que estamos na média do continente, obtendo resultados medíocres. Isso aponta para o mau aproveitamento dos recursos, entre outros, pelos motivos que este trabalho analisará.
É significativo que órgãos internacionais apontem a defasagem entre o nível econômico do país e o do seu desenvolvimento humano. No caso da educação, é ressaltado o hiato entre os seus indicadores educacionais e os de países na mesma faixa de desenvolvimento, especialmente o subinvestimento no ensino fundamental.
Para o governo federal, nos anos 80, o programa orçamentário ensino fundamental perdeu prioridade e preciosos recursos a partir de 1990. O ensino médio chegou a ter aumentada a sua participação (sobre um bolo tendencialmente declinante — é verdade), bem como, em especial, o ensino superior.

Os demais programas, como fica claro, tiveram tratamento residual, recebendo fatias muito menores de recursos. A julgar pela alocação para o ensino supletivo, o país teria superado os problemas da educação de jovens e adultos. Por seu lado, o programa Educação Especial recebeu de 0,1% a 0,5% do total dos programas selecionados, o que dimensiona o modesto montante das suas verbas e o situa como subsetor vulnerável no âmbito de um setor social também vulnerável.
O declínio de certos programas orçamentários é muito grave. Por outro lado, o fato de o programa Educação Especial ter passado de 0,2% para 0,4% ou 0,5%) significa muitas vezes não ter cortado o seu mínimo dos mínimos. Ou então um aumento de 100% representa passar de uma para duas migalhas.
No que tange aos estados, o programa Ensino Fundamental se manteve relativamente estável, mas é digno de nota que a participação do ensino superior foi mais alta que a do ensino médio. Os demais programas também receberam tratamento secundário, ficando a educação especial em último ou em penúltimo lugar. Os municípios, por sua vez, dedicaram mais de quatro quintos dos seus recursos ao ensino fundamental, como seria de esperar. Já o programa Educação Especial conseguiu superar apenas o ensino superior.
Até aqui vimos como o bolo é dividido e quais as porções percentuais de cada programa. Agora vamos dimensionar em dinheiro a fatia que cabe à educação especial.
Se considerarmos as despesas dos três níveis de governo em 1988, verificamos que a despesa executada no programa Educação Especial alcançou a modesta quantia equivalente, ao câmbio oficial, a USD 31,628 tendo a participação federal, estadual e municipal correspondido, respectivamente, a 48,2%, 37,7% e 14,1% do total (em 1993 a União despendeu milhões, USD 24,212 milhões, o que parece indicar uma melhora).
Em outras palavras, quanto mais longe do centro, menores os dispêndios neste programa, inclusive porque varia a capacidade fiscal dos governos. Se é precário o direito à educação dos alunos do ensino fundamental, parece ainda mais precário o direito dos alunos portadores de diferenças que exigem mais recursos e competência técnica.
Certamente um dos obstáculos à educação especial pode ser o seu alto custo. O Brasil apresenta custos muito modestos para o seu ensino fundamental, o que aponta para a sua qualidade insatisfatória. Entretanto, o custo/aluno neste nível é 53 vezes menor que a despesa média/aluno no ensino superior, o que também não significa que este último nade em dinheiro.
A educação especial numa unidade federada aparentemente privilegiada, o Distrito Federal, revela o seu alto custo quando comparada com outras modalidades. Efetivamente, graças sobretudo à média de 8,1 alunos por turma, o custo aluno/ano no Distrito Federal alcançou um valor quase quatro vezes mais alto que o do ensino fundamental regular. No entanto, cabe-nos notar que tal valor ficava bem abaixo da despesa média aluno/ano do ensino técnico e do ensino superior. Sem dúvida, os recursos financeiros não são ilimitados. Contudo, a sua alocação responde, pelo menos em parte, ao peso político dos atores envolvidos na sua disputa. Por esse critério, o que é "caro" para uns pode ser "barato" para outros, que têm o maior poder de barganha. "Caro" e "barato" em parte dependem, pois, das lentes com que os decisores percebem o mundo. É o que o já mencionado paradigma político capta com proveito da realidade.
Ao mesmo tempo em que a União assume um papel de metarregulação pela via da política de financiamento, sem efetuar a ampliação do investimento direto na educação básica, tanto o mecanismo do FUNDEF quanto a autonomia gerencial das unidades escolares e dos sistemas de ensino contêm elementos que irão reforçar as necessidades de intervenção do Estado na regulação da desigualdade fiscal entre os entes federados e suas instituições (Gráfico abaixo).




A POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO

Política de descentralização ou redistribuição de responsabilidade

• Em meados dos anos 40 o prof. Anísio Teixeira sugere a descentralização do poder centrado num processo de autonomia de decisões.
• No Século XX surge em forma de lei, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de nº. 4.024/61, sendo alterada e substituída em no ano de 1971 pela Lei de nº. 5.692/71, e posteriormente substituída pela Lei de nº. 9.394/96, que responsabiliza os municípios pela manutenção:
I - As instituições do Ensino Fundamental, Médio e de Educação Infantil mantidas pelo Poder Público Municipal;
II - As Instituições de Educação Infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;
III - os órgãos municipais de educação.
• Em 1988, a nova Constituição Federal, no artigo 18 e no artigo 30, inciso VI, estabelece “autonomia” ao Distrito Federal, Estados e Municípios. Desta forma o Estado diminui o seu poder de decisão sobre os municípios que passam a ter liberdade de atuação pedagógica e de aplicação financeira. (Melchior,1997:31).
• A criação do FUNDEF dá inicio de forma legal ao movimento de descentralização no Brasil em 1996, quando surge no artigo 212 da constituição, referindo se a “autonomia” financeira para a aplicação mínima de recursos da União, dos Estados do Distrito Federal e dos municípios para atender a demanda da escolaridade obrigatória.
• Essa descentralização está caracterizada na reforma do aparelho administrativo do Estado, pois parte da esfera central, em que a participação da sociedade não tem representatividade como força democrática popular, mas é induzida a conceber os princípios norteadores da proposta do governo. Sendo assim o FUNDEF é caracterizado como um programa focalizado, pois seus princípios, diretrizes e custos são determinados pelo governo federal.
• Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE): Através desse programa é que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) repassa os recursos para as escolas municipais e estaduais, no contexto da política de descentralização. O PDDE tem como objetivo melhorar a qualidade de ensino, articular e coordenar ações junto às esferas políticas, reduzir as desigualdades locais e regionais, descentralizar ações, fortalecer o profissional da educação, apoiar, incentivar, e assegurar o acesso à escola.
• O PDDE tem três objetivos: 1º) descentralizar a execução de recursos federais; 2º) reforçar a autonomia gerencial e a participação social das unidades escolares e 3º) contribuir para a melhoria da infra-estrutura física e pedagógica das escolas.

FUNDEF/FUNDEB

Especificidades do FUNDEF

O FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento e Valorização do Magistério, foi criado no ano de 1996, através da Emenda Constitucional nº. 14 e posteriormente regularizado pela lei federal de nº. 9.424/96.
Ao tratar de especificar detalhes da lei do FUNDEF o autor Luis Fernando Dourado alega que apenas os Estados e Municípios cumpriam com as Disposições Constitucionais Transitórias. Lembra o autor que os poderes públicos conforme exigia a constituição deveriam aplicar pelo menos metade de seus gastos em Educação. Sendo 18% para União e 25% para Estados, Distrito Federal e Municípios.
Para reforçar a afirmação de que o Governo Federal não aplicava tal regra percentual, o autor informa que no ano de 1996, mesmo incluindo o salário educação, cuja fonte não é a receita de impostos, ainda assim a esfera federal deixou de aplicar mais de 1,7 bilhões de reais no ensino. Segundo o autor, a maneira encontrada para driblar esta exigência era dar uma nova redação ao artigo 60, através da aprovação da Emenda Constitucional de nº. 14.
O autor lembra que é verdade que a nova redação dada ao artigo 60 determina que a união aplique na erradicação do analfabetismo e no ensino fundamental nunca menos que 30%, no entanto, reafirma que foi uma artimanha governamental no processo de fabricação da emenda, pois ao colocar o termo “equivalente”, desobrigou a União a usar recursos de seus próprios impostos e repassou aos Estados e Municípios a obrigatoriedade, inclusive o mesmo, a repassar recursos, repasse de rubricas como o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), salário-educação e outras contribuições sociais. O autor defende categoricamente, que a composição do FUNDEF foi maquiada de tal forma, que os 15% para educação do ensino fundamental, foram retirados dos próprios municípios e estados. E exemplifica: O ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços, o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados e FPM – Fundo de Participação dos Municípios, são receitas dos próprios municípios e Estados.



Fundef (composto por 15% dos seguintes fundos e impostos) Fundeb (composto por 20% dos seguintes fundos e impostos)
Fundo de Participação dos Estados (FPE) Fundo de Participação dos Estados (FPE)
Fundo de Participação dos Municípios (FPM) Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)* Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)*
Lei Kandir** Lei Kandir**
Imposto sobre Propriedade sobre Veículos Automotores (IPVA)
Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD)
50% do Imposto Territorial Rural devido aos municípios
* proporcional às exportações
** desonera exportações de produtos agrícolas e semi-industrializados

Os entes que detivessem uma grande circulação de mercadoria, um forte parque industrial e uma boa população, destinavam mais recursos para o ensino fundamental. Estes recursos não eram novos no município, ao contrario já faziam parte da receita, o que o FUNDEF fez foi apenas regularizar o que já existia. Apenas a partir daquela data tais valores deveriam ser destinados ao ensino fundamental.
A parte que cabia a União foi descumprida em todos os anos da implantação do FUNDEF. O governo federal teria como cota-parte a tarefa de não deixar que cada estado e município garantissem não menos do que o limite determinado por aluno/ano. A própria lei que cria o FUNDEF fixou um dispositivo reajustável ano a ano que garantia um patamar não inferior a R$ 300,00, já a partir de 1997. Todo ano estes valores eram reajustados. Desde o ano efetivo de sua implementação que a união não cumpriu com as prerrogativas da lei.


Debito do Governo Federal para com o FUNDEF – 1998
(nos termos da lei 9.424-96) R$ (milhões)
UF Complementação da União
(base: R$ 315,00-aluno) Valor devido pela União
(base: R$ 419,00-aluno) Debito da União
AL 1,3 45,4 44,1
BA 123,3 440,9 328,6
CE 48,2 208,5 160,3
GO 75,4 75,4
MA 130,5 303,7 173,2
MG 224,8 224,8
MS 20,9 20,9
PA 97,5 258,6 161,1
PB 3,2 70,4 67,2
PE 10,5 169,7 159,2
PI 21,4 89,7 68,3
PR 1,3 1,3
RN 39,6 39,6
RO 8,5 8,5
SE 9,1 9,1
TO 1,2 1,2
Brasil 424,9 1.967,7 1.542,8
Fonte: STN (Boletim Fundef, 1998).

O texto especifica como estão rateados os recursos para o ensino fundamental. Lembrando que dos 15% destinados ao ensino fundamental, deste valor 60% é destinado a profissionais da educação do ensino fundamental e 40% para manutenção do ensino. O autor avalia, de forma rigorosa, que estes percentuais, destinados aos profissionais da educação, deveriam se restringir apenas para aqueles ligados diretamente com a sala de aula, e que deveriam ser excluídos deste contingente os profissionais de apoio ao processo escolar, como diretores e supervisores. Cita ainda, que tais situações são efetivadas graças a ações equivocadas dos Tribunais de Contas.
No tocante ao funcionamento dos recursos, é lembrado o importante papel dos Conselhos Gestores que foram instituídos na lei. É citado que uma parcela dos Conselhos Gestores de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF tem em sua maioria a participação hegemônica dos governos locais.
Quanto ao processo de discussão dos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério, é citado que tendo em vista o fato do Conselho Nacional da Educação através do Parecer de nº. 03/97, de 08 de outubro de 1997, fixa apenas para o magistério o plano de Carreira e desguarnece o restante dos profissionais da educação.
O autor também enfatiza a falta de um piso salarial nacional, ficando aberto para que estados e municípios não garantam um salário-base digno.

Efeitos negativos do FUNDEF

1 – FUNDEF não é transferência da União para Estados e Municípios, apenas a demarcação de valores já existentes para o ensino fundamental;
2 – O FUNDEF é um fundinho. Enquanto o aluno ano do Brasil obteve como gasto o valor médio de R$ 433,00 (quatrocentos e trinta e três reais), nos Estados Unidos da América, este percentual pulou para US$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos dólares);
3 – Por um ser fundinho cobrindo apenas o ensino fundamental, o ensino infantil e o ensino médio ficaram de fora do financiamento;
4 – A implantação do FUNDEF também provocou distorções tais como: municípios no mesmo estado arrecadando mais de que outros, por motivo de suas estruturas de impostos e população, e distorções dentro da própria cidade, pois escolas estaduais em nível de ensino médio recebendo menos recursos que escolas mantidas pelo mesmo estado sendo que em nível de ensino fundamental;
5 - O FUNDEF gerou um efeito municipalizador do ensino fundamental. Muitas escolas do ensino fundamental pertenciam ao estado. Com o FUNDEF, na ânsia de receber recursos prometidos pelo governo federal, os municípios atraíram para seus quadros de ensino novas matriculas, em especial do ensino fundamental, garantindo cada vez mais a municipalização;
6 – O FUNDEF deu aos municípios a não responsabilidade com os ensinos infantil e médio, fazendo com que o projeto educacional se resumisse ao ensino fundamental.

Efeitos positivos do FUNDEF

1 – Possibilitou que os profissionais do ensino fundamental garantissem um teto salarial, que mesmo variando de acordo com os estados e municípios, ainda representou um avanço profundo para maioria de profissionais no Brasil, em especial no Nordeste, onde muitos percebiam menos do salário mínimo;
2 – Com o FUNDEF exigindo a implantação do controle social, os recursos destinados ao ensino fundamental foi melhor acompanhado. Era comum o desvio de recursos sem o conhecimento da maioria da população. Com a implantação dos Conselhos Gestores, muitas prefeituras passaram a se regrar melhor e outras que não seguiram a risca as determinações legais foram processadas e algumas delas obrigadas a devolver recursos aos próprios professores.

Proposta para melhoria do ensino

No final do texto é apresentada uma análise dos recursos oriundos do PIB e como são gastos, lembrando que em torno de 3,8 a 4,1% do PIB é destinado a educação, mesmo assim esta cifra é insuficiente para manter o processo educacional brasileiro. É também informado que o próprio salário-educação é subtraído para atender as prerrogativas do FEF (Fundo de Estabilização Fiscal). Portanto, é proposto como forma de garantir um melhor processo educacional brasileiro o percentual de 10% do PIB durante 10 anos.



CONCLUSÃO

A garantia do exercício dos direitos sociais e individuais fundamentais da sociedade moderna como a liberdade, o desenvolvimento, o bem-estar, a igualdade e a justiça, valores inalienáveis para o avanço das relações humanas, somente será possível com indivíduos preparados e com um sistema educacional que garanta o acesso ao conhecimento e formação sólida do todo povo brasileiro.
A concepção da educação que queremos e o sistema subjacente do modelo de ensino historicamente determinado pelas elites no Brasil está longe de formar indivíduos críticos e com uma visão eclética sobre o mundo. Uma nova concepção é fundamental para o avanço da educação, entretanto, de nada adianta tê-lo, se não houver recursos financeiros para colocá-la em prática.
A constituição de 1988 estabeleceu o direito à educação, como um preceito legal, tendo o Estado brasileiro o dever de garantir o acesso a todos indistintamente. O acesso de todos ao ensino fundamental, somente hoje, após 19 anos de promulgada a carta magna, está tornando-se realidade. A educação de nível médio e superior está longe de estar acessível à maioria da população brasileira.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, que substitui o Fundo da Educação Fundamental (Fundef), ampliando a abrangência de financiamento para educação infantil, ensino médio e educação de jovens e adultos, é um avanço imensurável para a educação no Brasil.
O estabelecimento do Plano Nacional de Educação – PNE no ano de 2000, elaborado para durar 10 anos, foi um progresso para a educação brasileira, ao estabelecer as diretrizes e responsabilidades da união, estados e municípios. Segundo o PNE, o governo seria obrigado a investir 10% do PIB anualmente na educação até 2010.
Entretanto, o Congresso Nacional reduziu o percentual recomendado inicialmente de 10% para 7% do PIB. Para piorar, o governo FHC vetou esse percentual, fato que se mantém na atual gestão. O valor para garantir a educação universal pública e de qualidade equivaleria, no ano de 2005, a R$ 180 bilhões. Cálculos do MEC afirmam que foram destinados à Educação, em 2005, aproximadamente R$ 79,92 bilhões (4,32% do PIB), nas três esferas de governo (União, Estados e Municípios), valor muito aquém das reais necessidades do setor.
Um movimento audaz, brilhante e inteligente puxado pela Confederação dos Trabalhadores em Educação – CNTE e seus filiados, defende a “conversão do pagamento da dívida externa em investimentos para educação”, por entender que trata-se de uma dívida, em grande parte, imoral, ilegítima e impagável, visto que o povo brasileiro não teve qualquer direito de opinar sobre a necessidade de se contrair esses empréstimos, nem sobre o destino que esse dinheiro deveria ter e teve. É mais uma alternativa inovadora de aumentar os recursos para a educação.
Há casos de países que deixaram de pagar parte da dívida externa, com a concordância dos credores, e nem por isso foram prejudicados, como quer fazer crer o sistema financeiro. Cresce a cada dia a parcela da comunidade internacional consciente que vê a necessidade de combater as enormes desigualdades que produzem fome, desemprego e outros problemas sociais. Não tenho dúvida que a educação é a ferramenta mais viável, duradoura e sustentável para remediar tais males.
Os políticos e governantes brasileiros deveriam ter a consciência de que a educação é o melhor investimento para tirar o país do atraso em que se encontra, rumo ao progresso cultural, social e econômico desejado.

Jailson Gomes é Sociólogo e Cientista Político (27 de novembro de 2007)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Nilda & VILLARDI, Raquel. Múltiplas leituras da nova LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional (Lei n. 9.394/96). Rio de Janeiro: Qualitymark/Dunya Ed., 1997.
DOURADO, Luiz Fernandes. Financiamento da Educação Básica__(org.) – Campinas, SP: Autores Associados; Goiânia, GO: Editora da UFG, 1999, Coleção Polemicas de Nosso Tempo; v. 69.
FRANÇA, Magna. Financiamento da educação: política, mobilização de recursos e programas para o ensino fundamental. In: CABRAL NETO, Antonio (Org.). Política educacional: desafios e tendências. Porto Alegre: Sulina, 2004.
HANZE, Amélia. Descentralização e municipalização da educação. Disponível no site http://pedagogia.brasilescola.com/politica-educacional/descentralizaçao.htm (Acesso em 20 de outubro de 2007).
Portal do MEC. Fundo de Manutenção e Financiamento da Educação Básica, Ministério da Educação: Assessoria de Comunicação.

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