O entendimento clássico marxista da análise de classe não pode ser descrito sem que se inclua em seu contexto a questão da natureza das classes. E esse entendimento deve ser capaz de mostrar, de deixar claro os fundamentos, as estruturas e os mecanismos de exploração e dominação na sociedade, e o modo de perceber como se extrai, se apropria e se aloca a mais-valia. Assim, ao estudarmos a análise de classes devemos nos preocupar com o conflito entre classes, entre capital e Estado de um lado e o trabalho do outro, observando à coação que é exercida por uma variedade de agrupamentos, como, por exemplo, a pequena burguesia e os movimentos sociais.
A análise de classe, isto é, o estudo que intenta apreender os fenômenos sociais e políticos a partir das relações entre classes sociais localizadas no processo produtivo, é uma das colunas teóricas do marxismo. Uma das tarefas da análise de classe, segundo Ralph Miliband, é demonstrar as estruturas e os mecanismos exatos de dominação e exploração nas sociedades humanas.
Pra ser mais claro, o marxismo tem que não apenas identificar as relações de exploração que se estabelecem entre produtores e proprietários dos meios de produção, mas, também, considerar os mecanismos de dominação por meio dos quais as classes agem na política, uma vez que atribui às relações de classe a condição de princípio estruturador da totalidade social.
É por essa e outras que classe social se tornou um dos mais polêmicos conceitos da sociologia. Até mesmo entre os marxistas não há consenso formado sobre este conceito, e até mesmo sobre seu significado dentro nas obras de Karl Marx.
Miliband nos mostra que os dois conceitos, elite e classes sociais se complementam. Segundo ele o marxismo compreende como classe dominante àquela que possui e controla os meios de produção, poder econômico que lhe possibilita usar o Estado como instrumento de dominação da sociedade.
Miliband afirma que, apesar da existência da fragmentação do poder econômico, há no capitalismo fatos que confirmam a existência de classes e de uma classe dominante, sendo eles: a existência de uma desigualdade gritante na posse da propriedade; e o fato da existência de uma classe relativamente pequena que possui uma grande parcela de propriedades e que recebe enormes rendas, derivadas da posse ou controle dessa propriedade; e também uma classe enorme de pessoas que possuem muito pouco ou quase nada e cuja renda, proveniente da venda de seu trabalho, significa um volume considerável de restrição material, de pobreza e de privação.
No texto em questão Miliband nos apresenta uma visão detalhada e sistematizada daquilo que ele compreende por elites e classe dominante e as relações existentes entre esses elementos, mostrando uma semelhança entre o conceito de elite e classes sociais. Assim se parte da hipótese de que estes conceitos, em vez de antagônicos, se complementam e que, analisados em conjunto numa realidade concreta, ajudam a compreender sociologicamente esta complexa sociedade capitalista contemporânea.
Miliband afirma que a classe dominante não pode ser determinada em termos de propriedade dos meios de produção, mas a partir do controle efetivo que esta tem sobre três fontes fundamentais de dominação: os meios de produção (entre os quais a propriedade), os meios de administração e coerção do Estado e os principais meios para estabelecer a comunicação e o consenso, formando o que ele nomeia de estrutura de dominação.
Um fato muito importante é que ele coloca no mesmo valor de análise a teoria das classes sociais e a teoria da estratificação social ao se referir aos membros da classe dominante, que, pelo seu entendimento, dividem-se em duas camadas: a elite do poder e a burguesia.
Por causa da separação institucional do poder econômico e do poder estatal nas sociedades capitalistas avançadas, a elite do poder passou a ser formada por dois grupos principais: os que dominam as grandes empresas industriais financeiras e comerciais e dos meios de comunicação do setor privado; e os que tomam posições de direção do sistema estatal. Por seu lado a burguesia apresenta dois subgrupos: o comercial e o profissional. No entendimento de Miliband, a diferença entre a burguesia e a elite do poder da classe dominante incide porque a burguesia não tem nada que possa ser chamado de seu poder, mesmo exercendo o poder em várias esferas sociais.
Ralph Miliband considera que essas duas camadas se distinguem das outras camadas da sociedade por que seus membros detêm uma riqueza pessoal desproporcional nas sociedades capitalistas avançadas. Assim, a classe dominante é determinada pelas posições elevadas que os agentes ocupam nas esferas política e econômica e da escala de renda que os mesmos detêm por causa de tais posições.
Dentro desse ponto de vista, é possível dizer que o entendimento de classe dominante apresentado por Miliband está mais ligado à problemática da estratificação social, até mesmo porque ele apresenta as idéias de riqueza pessoal, rendimento, ocupação, relações interpessoais, e recrutamento que são alguns dos indicadores dessa problemática.
Nos últimos anos a teoria social apresenta uma decadência acentuada e firme da compreensão teórica de origem marxista, que vincula classe e ação política. Há uma predominância das teses de que os modelos contemporâneos de protesto coletivo não são esclarecidos pela dinâmica da luta de classes e de que, atualmente, o proletariado perdeu importância como ator coletivo e como sujeito histórico. A literatura das ciências sociais passou a apresentar um desligamento entre as investigações sobre classes e os estudos sobre movimentos sociais e outras modelos de ação coletiva.
Por um lado, as análises sobre classes sociais passaram a ser quase que totalmente determinadas por estudos sobre a estratificação social fundamentadas em relações de emprego. Tais estudos tenderam a desagregar completamente as classes sociais da ação coletiva. Por outro lado, os estudiosos dos movimentos coletivos passaram a seguir o caminho aberto pelos teóricos dos novos movimentos sociais, que desenvolveram a análise da ação coletiva de forma quase totalmente separada da estrutura de classes, examinando seus vínculos com a sociedade civil e com a cultura.
O texto de Klaus Eder aborda a discussão atual sobre a extinção ou validade conceitual das classes e faz isso por meio de uma afirmação teórica: a cultura é o elo que pode ligar classe e ação coletiva. A idéia principal é que a noção de classe, sem as suas conotações tradicionalistas e suas formas de manifestação histórica, é uma determinação estrutural de oportunidades de vida para grupo de indivíduos, que demarca espaços de ação.
Moldado pela idéia da sociedade pós-industrial, Eder entra em cheio no debate, deixando claro que seu interesse maior é analisar o desenho atual dos movimentos sociais e a crise da sociedade de classes.
Sua proposta o faz afirmar que o conflito de classes está se transformando numa incompatibilidade que transpõe a totalidade da vida social. E esse conflito confronta os indivíduos e seu capital econômico e cultural, resultando numa estrutura de classes individualizada. Enraizado menos na estruturação produtiva da ordem societal, o conflito de classes é acompanhado por práticas motivadoras de uma ordem simbólica que o legitima, sendo que os símbolos dos que estão no topo da pirâmide social são os que clamam pela validade universal. Ao invés de conceituar a classe social e dar-lhe um caráter concreto, Eder lhe confere um estatuto lógico, opção teórica que o aproxima de Weber e o distancia de Marx.
Observa desse modo que o centro dos conflitos de classe e dos movimentos sociais, cuja identidade tem um forte artefato cultural, tem se deslocado do tema da exploração do trabalho para o da exploração da natureza.
Klaus Eder frisa que o alicerce de seu trabalho consiste na análise sociológica das sociedades modernas, observando um modelo de três camadas: a da estrutura social (as classes), a da ação social (coletiva) e a da cultura. A tecla principal deste modelo está na cultura como elo de ligação. Sem a cultura não existe possibilidade de unir classe e ação social.
Para Eder, não tem conveniência vincular diretamente classe e ação coletiva: nem as classes são sujeitos históricos e nem podem ser consideradas atores coletivos. Classes são construções mentais que identificam possibilidades e restrições para a ação de classes de indivíduos portadores de distintos atributos, distribuídos em diferentes posições sociais. É só através da organização cultural, construções geradas em formas específicas de vida social, que tais classes acomodam a ação coletiva.
Jailson Gomes é Sociólogo e Cientista Político
(16 de dezembro de 2008)
MILIBAND, Ralph. Análise de classes. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan
(orgs.). Teoria social hoje. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.
EDER, Klaus. A nova política de classes. Bauru/SP: EDUSC, 2002.
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