segunda-feira, 18 de outubro de 2010

RELIGIÃO E ELEIÇÕES 2010

JORNAL TRIBUNA DO NORTE ABORDA O TEMA COM RELIGIOSOS

Candidatos à mercê do abortoAo contrário do que ocorre em nível nacional, no Rio Grande do Norte os pastores, padres e lideranças de outras religiões se dizem  distantes das discussões  sobre a descriminalização do aborto. Pelo menos no interior dos templos. O aborto dominou a campanha para Presidente da República desde o primeiro turno das eleições e tem sido apontado pelos especialistas em marketing político e cientistas sociais como um dos principais responsáveis para que a eleição tenha sido levada para o segundo turno. Apesar de não discutirem o tema dentro dos templos, durante as pregações, os líderes religiosos ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE afirmam que o aborto tem tanta importância como qualquer outro tema.

Aborto ganha dimensões políticas

Isaac Lira - Repórter

Desde o fim do primeiro turno os discursos oferecidos aos eleitores pelos dois candidatos à presidência da República passam pelos púlpitos e altares das igrejas antes de chegar aos palanques. A influência da visão religiosa sobre os programas de governo foi tamanha que os dois postulantes ao Palácio do Planalto adotaram símbolos e palavras cristãs para se dirigir aos eleitores/fiéis e começaram a angariar apoios de líderes religiosos para atrair esse eleitorado. No Rio Grande do Norte, representantes de diversas instituições declaram estar cautelosos acerca desse fenômeno.

elisa elsieDom Matias diz que a discussão do aborto não deve ser políticaDom Matias diz que a discussão do aborto não deve ser política
Entre todas as questões polêmicas, o aborto foi a que despertou maior interesse. Descriminalizar ou não descriminalizar? Os religiosos são contra descriminalizar e se mostraram dispostos a expressar essa contrariedade através do voto. Com isso, líderes influentes passaram a declarar apoio a candidatos específicos e a visão religiosa pautou o debate. Silas Malafaia, pastor da Igreja Assembleia de Deus, declarou apoio ao candidato do PSDB, José Serra, enquanto o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, se manifestou em favor da candidata do PT, Dilma Roussef. Esses são apenas dois exemplos no plano nacional.

Em terras potiguares, pastores, padres e outros líderes afirmam evitar a entrada de “comícios” em cerimônias religiosas. Entre os procurados pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, nenhum citou apologia a candidatos e partidos dentro das igrejas e demais templos religiosos. Contudo, com relação ao aborto, todos se manifestam contra e acreditam que a discussão acerca desse tema é tão válida quanto qualquer outra. A liberdade de voto de cada eleitor deve ser assegurada, dizem. 
O arcebispo de Natal, dom Matias Patrício, afirmou não ser permitido que padres façam menção a candidatos e partidos durante a missa e que nenhum vigário tem o poder de falar pela Igreja Católica a respeito de política. “A Igreja não tem partido”, diz, ecoando cartilha distribuída pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Contudo, o tema “eleições” não é proibido dentro das igrejas. “O padre pode e deve orientar o eleitor no sentido de votar com consciência e participar do processo, mas nunca partidarizando o sermão. Essa não é a função dele”, diz dom Matias. Casos de padres “fazendo campanha” fora da igreja precisam ser analisados “caso a caso”.

Entre os evangélicos, a rejeição por levar o debate político-partidário da campanha presidencial para os púlpitos é quase unanimidade. “Está faltando bom senso, o que todos devem ter para discutir assuntos como estes que estão sendo abordados pelos partidários dos candidatos Serra e Dilma”, avalia o reverendo Mardes Pereira da Silva, da Igreja Betesda de Natal.

Para ele, a discussão sobre temas como o aborto a partir das visões religiosas no âmbito de uma campanha “é inapropriada”. Para o reverendo, “isso tudo tem sido manipulado com fins eleitoreiros. Nós sabemos que não há, de nenhum lado, um interesse real para se trabalhar a questão do aborto, dos direitos humanos, do casamento homossexual e outros”.

 Apesar de fazer ressalvas à prática do aborto - “a Bíblia é clara, quando diz não matarás!” - o reverendo da Igreja Betesda lembra que “não será uma lei regularizando ou proibindo o aborto que vai impedir a prática”. Ele chama a atenção para o fato de que o aborto é praticado tanto por quem tem dinheiro como por mulheres carentes. “A diferença é que estas últimas acabam na rede pública, direto das clínicas clandestinas onde foram mal atendidas”. E ainda considera  “um absurdo” que grupos religiosos se apropriem desses temas para tentar  impedir uma discussão séria sobre direitos que ele considera legítimos.

Sandra Borba, vice-presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Norte, e Luís Martins da Silva, representante da Maçonaria, vão na mesma linha do arcebispo metropolitano. Eles preferem desvincular totalmente a instituição religiosa do processo eleitoral. “A Federação Espírita do RN não toma posição em favor de candidatos e nem permite que nenhum de seus membros faça esse tipo de vinculação em seu nome. Mas também não podemos criticar ou julgar os representantes de outras crenças que façam isso”, diz Sandra Borba. Eis a opinião de Luiz Martins: “A Maçonaria nunca interferiu no processo eleitoral e nem fez campanha para qualquer candidato. O trabalho que a instituição faz é social, sem vinculação com políticos. Mantemos distância”.

Pastor assume posição contra Dilma Rousseff

Na contramão do que é defendido pelos outros líderes religiosos, o pastor Elinaldo Renovato, um dos mais respeitados pastores da Assembleia de Deus, com forte influência em Parnamirim, afirma estar “recomendando” o voto no candidato do PSDB José Serra “por conta do programa do PT, onde se defende aborto, união de casais do mesmo sexo e outros pontos ofensivos aos princípios cristãos”, diz.

Embora tenha sido categórico em dizer que não faz alusão ao candidato nos cultos celebrados por ele, o pastor Renovato diz que enviou e-mails com a “recomendação” e aconselha fiéis. “Quando me procuram, eu não me furto a dizer a minha opinião. Sei que essa opinião, como eu sou um pastor, tem influência sobre as pessoas, mas tenho direito de defender as minhas posições”, explica.

O pastor Renovato publicou uma carta aberta aos fiéis onde expressa detalhadamente porque não vota em Dilma Rousseff, do PT, e aconselha os “verdadeiros cristãos” a fazer o mesmo. Diz a carta: “Se o presidente da República, “fora do expediente”, pode dizer em que vota, eu também, “fora do expediente pastoral”, digo que votarei no senhor Serra”. O texto circulou na internet entre blogs e sites evangélicos, principalmente.

Para Elinaldo Renovato também é possível que os dois candidatos estejam utilizando o discurso religioso para conseguir mais votos, tendo em vista a crescente importância do eleitorado assumidamente evangélico no país. “É possível que o assunto esteja sendo utilizado pela conveniência pelos candidatos à Presidência. Mas é legítimo que um cristão vote de acordo com seus princípios”, aponta. E complementa: “As pessoas votam seguindo seus princípios, suas idéias, sejam elas quais forem. É natural que os cristãos façam a mesma coisa”.

Para se ter uma idéia, o deputado estadual mais votado no RN nessas eleições, Antonio Jácome (PMN), é evangélico e tem nesse público grande parte de seu eleitorado. Os estados de Pernambuco e Rio de Janeiro observaram o mesmo fenômeno. Esses são exemplos da força do eleitorado religioso, principalmente cristão.

Opinião

O divisor de águas de uma disputa eleitoral

Simone Cabral*
Antonino Condorelli**

Na discussão pública do segundo turno das eleições presidenciais, um emaranhado de forças conflitantes acabou trazendo para o centro da cena política um debate - ora de domínio público (inerente aos direitos e deveres promovidos e garantidos pelo Estado), ora de domínio privado (referentes a valores individuais, como os religiosos) - sobre o aborto. Ser contra ou a favor da interrupção voluntária de gravidez - longe da promoção de um debate sério, fundamentado e de amplo alcance - está sendo tomado como tema central e determinante na escolha de quem vai governar o país.

O mundo moderno não é só marcado pela esfera política racionalizada e impessoal do Estado, mas pela diversidade de valores que se manifesta nas mais diferentes estruturas e agrupamentos sociais, entre as quais as instituições religiosas. O respeito às diferentes crenças numa sociedade democrática como a brasileira implica em que o Estado se abstenha de qualquer juízo de valor sobre a realidade realizado a partir de perspectivas marcadamente impregnadas de visões religiosas.

Difundida essencialmente através de boatos cibernéticos, uma maciça ofensiva dos setores mais conservadores de algumas igrejas cristãs acabou dando o tom da estratégia política dos dois candidatos para a Presidência da República. O ideário religioso ganhou a cena política e se constituiu em divisor de águas de uma disputa eleitoral que, por alguns, é convenientemente apresentada como uma luta do bem contra o mal. As opiniões pessoais de ambos os candidatos sobre um tema complexo, que abrange distintas esferas – social, sanitária, jurídica, psicológica, dos sistemas pessoais de crenças e valores, etc. – e que só pode ser debatido de forma ampla e ponderada no seio do Congresso Nacional e da sociedade, são disfarçadas e manipuladas em base a considerações oportunistas de campanha eleitoral ocultando, de fato, a discussão sobre combate à pobreza, defesa do meio ambiente, educação, saúde, saneamento, enfim sobre os diferentes modelos que os dois candidatos em disputa propõem para o desenvolvimento do país.

Por estes motivos, o projeto cultural Diálogos Criativos organizou um encontro especial que acontecerá na próxima terça-feira, 19 de outubro, com o título “Aborto nas eleições: a quem interessa?”. O objetivo do encontro é promover uma discussão aberta, séria e fundamentada acerca de como e porque um fenômeno extremamente complexo, delicado, não abordável sob a perspectiva de radicalismos ideológicos e reducionismos filosóficos, sobre o qual tanto no seio da sociedade como no dos dois partidos políticos cujos candidatos disputam a Presidência da República não existem posições unitárias e compactas se tornou, improvisa e inesperadamente, uma questão aparentemente determinante da escolha de quem vai governar o Brasil.

O foco do encontro não será uma discussão sobre a descriminalização do aborto, embora cada participante terá total liberdade para colocar seus argumentos a favor ou contra o assunto, e sim sobre se esta questão é ou não determinante na definição de quem deverá governar o país, considerando – além do mais – que apesar dos oportunistas disfarces eleitorais de última hora de ambos os candidatos não parece haver substanciais diferenças nas posições deles sobre o tema: José Serra, quando era Ministro da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso, promoveu medidas que regulamentam e, portanto, tornam possível a aplicação efetiva da lei existente sobre aborto (que o libera nos casos de estupro ou de risco de vida da mãe), enquanto Dilma Roussef se declarou repetidamente a favor da não-criminalização e da não-estigmatização por parte do Estado das mulheres que o praticam.

No momento em que a população brasileira é chamada para tomar uma decisão fundamental - a da visão social, ambiental, econômica, etc. que norteará as políticas e as ações do governo do país durante os próximos quatro anos – os Diálogos Criativos apostam na promoção de uma discussão ampla, de alto nível, aberta a todos e alheia a fanatismos, pré-conceitos e demonizações de qualquer natureza sobre se realmente a posição individual dos candidatos à Presidência da República tem poder de influir sobre a legislação em matéria de aborto – considerando que só quem pode deliberar sobre o assunto é o Congresso Nacional, em cujo seio há opiniões extremamente diversificadas e transversais aos partidos políticos – ou se colocar no centro de debate esta questão possa responder a outro tipo de interesses e ter talvez como verdadeiro propósito o de ocultar uma discussão mais profunda sobre o modelo de país que os dois candidatos propõem.

O encontro acontecerá terça-feira, 19 de outubro, às 19:00 horas no Auditório da Livraria Siciliano, no terceiro piso do Midway Mall, com entrada franca. Para mais informações, visitem o blog http://dialogoscriativosnatal.blogspot.com ou escrevam para dialogos_criativos@dhnet.org.br.

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